O tratamento de água em São Paulo está prestes a entrar em uma nova era. A combinação entre mudanças climáticas, crescimento urbano e escassez de mananciais torna urgente a adoção de soluções inovadoras — e o reúso potável desponta como uma das mais promissoras.
A Sabesp, maior companhia de saneamento do estado e uma das maiores do mundo em receita, anunciou planos para utilizar água de esgoto tratada no abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), um movimento que pode redefinir o futuro hídrico da maior metrópole da América do Sul.
Essa transição, porém, não é apenas técnica: ela envolve planejamento, governança, aceitação social e parcerias com o setor privado — áreas em que empresas como a Okena, especializada em tratamento e destinação de efluentes e lodos industriais offsite, já desempenham papel essencial.
O cenário hídrico paulista e os desafios da escassez
São Paulo vive um paradoxo. Apesar de ser o estado mais rico do país, enfrenta vulnerabilidade hídrica crônica, especialmente na macrometrópole. Segundo a SABESP, a demanda por água deve crescer cerca de 4.000 litros por segundo até 2060, impulsionada pelo aumento populacional e industrial.
Além disso, o ano de 2024 foi o mais quente do Brasil desde 1961, evidenciando os efeitos das mudanças climáticas sobre os sistemas de abastecimento. A combinação de secas severas, eventos extremos e degradação dos mananciais reforça a necessidade de uma matriz hídrica mais diversificada, resiliente e circular.
Em entrevista à CNN Brasil, o professor Pedro Cortes (USP) ressaltou que a escassez no estado exige “repensar a gestão e o uso da água de maneira sistêmica e sustentável”, destacando o reúso como estratégia inevitável para garantir segurança hídrica nas próximas décadas.
Reúso de água: da lógica linear à circular
Durante décadas, o tratamento de água em São Paulo seguiu uma lógica linear — captar, tratar, usar e descartar. Essa abordagem, baseada na abundância histórica dos recursos hídricos brasileiros, tornou-se insustentável diante das pressões atuais.
Como afirmou Francisco de Goeye, CEO da Okena:
“O nosso passado de mal tratar a água pela abundância que nosso país tinha de recursos hídricos já não é mais uma condição. Vamos ter que mudar daqui para frente e cuidar melhor dos recursos hídricos.”
O reúso de água representa justamente essa mudança de paradigma. Ao tratar e reintroduzir efluentes no ciclo produtivo ou até no sistema de abastecimento público, é possível reduzir a pressão sobre mananciais, minimizar perdas e aumentar a resiliência urbana frente à escassez.
Na prática, isso significa investir em tecnologias de tratamento avançado — como osmose reversa, ultrafiltração e radiação ultravioleta — capazes de produzir água de reúso com qualidade comparável à potável.
O plano da Sabesp: água de reúso para abastecer a RMSP
De acordo com o documento técnico apresentado por Mara Ramos (SABESP), a companhia prevê projetos de reúso potável indireto em estações estratégicas da RMSP, como Barueri, Suzano e Guarapiranga, com vazões variando entre 1 e 2 m³/s.
Esses volumes, quando convertidos em capacidade de abastecimento, representam água suficiente para suprir centenas de milhares de habitantes, reduzindo a dependência dos reservatórios já sobrecarregados.
O modelo adotado é o Reúso Potável Indireto (RPI), no qual o efluente tratado é lançado em um corpo hídrico (como represas ou aquíferos) que atua como “atenuador ambiental” antes de ser recaptado para novo tratamento. Essa prática é amplamente utilizada em países como Singapura, EUA e Bélgica, com comprovada segurança e eficácia.
Reúso potável direto e indireto: diferenças e aplicações
O reúso potável direto (RPD) e o indireto (RPI) têm finalidades semelhantes — aumentar a disponibilidade de água —, mas operam de formas distintas:
- RPD: a água tratada é injetada diretamente no sistema de distribuição, exigindo monitoramento contínuo e tecnologias de ponta.
- RPI: o efluente passa por um corpo hídrico intermediário, permitindo diluição e atenuação natural antes de ser reabastecido.
No caso de São Paulo, o RPI é considerado o modelo mais viável no curto prazo, tanto pela estrutura existente quanto pela necessidade de garantir segurança pública e aceitação social.
Os desafios regulatórios do reúso no Brasil
Apesar dos avanços tecnológicos, o arcabouço regulatório do reúso no Brasil ainda é fragmentado. Segundo o estudo “Panorama Regulatório do Reúso de Água”, apenas sete estados brasileiros possuem normas próprias que definem padrões de qualidade e critérios de aplicação.
Em São Paulo, a CETESB tem se destacado como pioneira ao publicar a Decisão de Diretoria nº 134/2022, que estabelece critérios para o reúso potável indireto. Já a Resolução Conjunta SES/SIMA nº 01/2020 disciplina o reúso não potável urbano, abrindo caminho para práticas seguras de aproveitamento de efluentes tratados.
Contudo, ainda faltam instrumentos jurídicos claros sobre outorga de uso da água de reúso, padrões microbiológicos unificados e mecanismos de integração entre políticas de saneamento e recursos hídricos.
Exemplos internacionais que inspiram São Paulo
Países com histórico de escassez severa já demonstraram o sucesso do reúso potável em larga escala.
- Windhoek (Namíbia): pioneira desde 1968, trata e reintroduz água de reúso diretamente na rede pública.
- Singapura (NEWater): modelo global de reúso potável indireto, com taxa de aceitação social superior a 80%.
- Los Angeles (EUA): utiliza o aquífero Montebello Forebay como atenuador natural, garantindo qualidade e segurança.
Essas experiências mostram que o tratamento de água em São Paulo pode evoluir rapidamente se houver planejamento, investimento e comunicação pública transparente — um ponto essencial também destacado pela SABESP e por especialistas da ONU em gestão hídrica.
O papel das empresas do Sistema B na transição hídrica
Empresas certificadas pelo Sistema B, como a Okena, vêm desempenhando papel decisivo na descarbonização e circularidade da gestão hídrica.
Por meio do programa CarbonFree, a Okena já neutraliza as emissões logísticas do transporte de efluentes em parceria com a Iniciativa Verde, contribuindo diretamente para a redução de gases de efeito estufa e a recuperação de áreas degradadas da Mata Atlântica (okena.eco.br/programa-carbonfree).
Essa integração entre saneamento, carbono e reúso reforça a visão de que o tratamento de efluentes industriais offsite é um componente-chave da segurança hídrica paulista — complementando a atuação de operadoras públicas como a SABESP.
“Empresas que adotam modelos de reúso e compensação de carbono estão, de fato, participando da construção de um novo paradigma ambiental”, afirma Francisco de Goeye.
Caminhos para o futuro: governança, inovação e aceitação pública
O sucesso do tratamento de água em São Paulo dependerá da convergência entre inovação tecnológica, estrutura regulatória sólida e engajamento social.
Os estudos da SABESP e da Universidade de São Paulo indicam que a aceitação do público é um fator determinante para a viabilidade do reúso potável. A comunicação deve enfatizar transparência, segurança e os benefícios ambientais do processo.
Além disso, a integração entre governos, universidades, empresas e sociedade civil é fundamental para viabilizar projetos-piloto, avaliar riscos e consolidar uma cultura de uso racional da água.
Nesse contexto, a Okena — como empresa B comprometida com impacto positivo e com a universalização do saneamento — reforça seu papel de educadora ambiental e provedora de soluções técnicas que fortalecem a segurança hídrica e o desenvolvimento sustentável no estado.
Conclusão
O tratamento de água em São Paulo passa por um ponto de inflexão. O reúso potável, antes visto como distante, já é realidade técnica e institucional.
A adoção de práticas de reúso, associadas à redução de perdas e à inovação no tratamento de efluentes, é o caminho para garantir resiliência hídrica, descarbonização e sustentabilidade urbana.
Como resume o CEO da Okena, Francisco de Goeye, “vamos ter que mudar daqui para frente e cuidar melhor dos recursos hídricos”.
Essa mudança já começou — e São Paulo pode se tornar exemplo mundial de como a ciência, a governança e o compromisso ambiental se unem para transformar crise em oportunidade.
Referências Bibliográficas (ABNT)
- RAMOS, Mara. Reúso Potável: Experiências e Perspectivas no Brasil. SABESP, 2024.
- CORTES, Pedro. “Sabesp planeja água de esgoto tratada para abastecer São Paulo.” CNN Brasil, 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/pedro-cortes/nacional/sudeste/sp/sabesp-planeja-agua-de-esgoto-tratada-para-abastecer-sao-paulo/.
- ANA – Agência Nacional de Águas. Atlas Esgotos: Despoluição de Bacias Hidrográficas. Brasília: ANA, 2017.
- BRANDÃO, C. C. S. Remoção de microcontaminantes e vírus em ETAs e ETEs, com ênfase no uso de carvão ativado e membranas. Brasília: CAESB, 2024.
- UNIVERSITY COLLEGE LONDON. Nexus Água & Clima. Londres, 2023.
- INSTITUTO REÚSO DA ÁGUA. Panorama do Reúso de Água no Mundo. São Paulo, 2023.
- OKENA. Programa CarbonFree. Disponível em: https://www.okena.eco.br/programa-carbonfree.
